Manuel Fúria é um artista, curiosamente, quase um conterrâneo meu, o que me faz, sem dúvida ouvir as músicas de outra forma, à procura de referências a Santo Tirso ou ao rio Vizela.
Depois de alguns albums muito bons, lança-se agora, a solo num registo diferente dos anteriores.
O mais recente LP, "Os Perdedores", tem uma sonoridade muito mais dançável, electrónica e, em muitos momentos, mais alegre e feliz.
A música, na sua generalidade é menos orientada por guitarras e faz lembrar uma espécie de 80's modernos, não de uma forma nostálgica, mas mais de uma forma atualizada.
As letras são bastante pessoais (a música normalmente sai melhor quando se escreve com significado) e diria que tem como grande base dois assuntos: a memória/recordação e a religião, neste caso, católica. É um tema, talvez pouco usual na música pop/rock, no entanto válido e muito interessante. Acredito que, numa era em que o catolicismo esteja debaixo de fogo acho que seja importante ver a essência do significado de religião, uma introspeção e uma fé muito pessoal e própria e isto dito por mim, um ateu.
O single de apresentação, tema "Os Perdedores" apresenta-se como uma das melhoras músicas do álbum. Extremamente dançável, num registo melancólico, com um super refrão cativante, e malhas muito poderosas. E como tal, mistura muito bem os dois temas centrais que apontei em cima.
"Bicicletas de Montanha", "Nem Fome, Nem Mundo" e "Malta Que Se Foi", Fúria recorda eventos, locais e pessoas do seu passado. "Malta Que Se Foi" não entrou à primeira no meu ouvido, achei-a demasiado alegre, quase juvenil, mas agora é dos momentos que mais gosto, a energia está lá, a letra é fantástica, daquelas músicas que um português ouve e tem sempre um sorriso na cara. Os amigos de Fúria devem sentir-se muito honrados por estares presentes na música, mesmo os que já se foram.
"Blandina de Lyon", é um momento muito forte, e sombrio, relatando algumas dificuldades (ou catástrofes) sofridas por elementos da religião cristã. "Novo Normal" eu diria que é um certo relato das alterações climáticas, pelo menos foi isso que pensei ao ouvir a poesia.
Diria que "Católico Menino Manco" seja um momento autobiográfico. Manuel Fúria pinta muito bem as suas recordações. É muito fácil virem paisagens à cabeça enquanto se ouve as suas músicas.
Todas as música fluem de uma forma muito natural, é muito agradável de ouvir "Os Perdedores" do início ao fim, quase que como um livro. As músicas têm todas um equilíbrio muito ponderado entre a complexidade (eletrónica) e a simplicidade do que é uma música na sua base. Fúria canta de uma forma sonhadora, com uma voz que transpira tanto saudade e melancolia do seu passado como alegria por ter vivido esses momentos.
O album está excelente. Tendo por base uma ou outra entrevista que li, penso que este álbum seja um testamento muito pessoal e biográfico que Manuel Fúria tinha vontade de deixar e exatamente desta forma, falando de si mesmo, das suas cidades, dos seus amigos, da sua religião.
Mais aqui:
https://manuelfuria.bandcamp.com/album/os-perdedores
No comments:
Post a Comment